quinta-feira, outubro 29, 2009

Pense nisto...

"O tráfico negreiro transatlântico é a maior tragédia da história da humanidade, por sua amplitude e duração."

Jean-Michel Deveau
Foto tirada daqui

terça-feira, outubro 27, 2009

UM POETA E UM POEMA (4)

No poema "Os herois", Conceição Lima recorre às lembranças do passado para onde "recuam em silêncio as estátuas". A poeta convida o leitor a uma reflexão sobre a realidade de seu país no período pós-independência, uma vez que vinte e nove anos se passaram (o poema foi tirado do livro "O útero da casa", de 2004), mas alerta para o fato de que boa parcela dos "mortos que morreram sem perguntas", através de seus descendentes "regressam devagar de olhos abertos".

E, enquanto as estátuas silentes são reconhecidas pela "praça" por seus feitos valorosos, em "paisagens longínquas", os verdadeiros herois, os santomenses do dia-a-dia, clamam pelo resgate à dignidade "indagando por suas asas crucificadas". Onde está a tão sonhada, almejada, batalhada liberdade que a independência traz? Ou, pelo menos, deveria trazer...

Os Herois
Conceição Lima

Na raiz da praça
sob o mastro
ossos visíveis, severos, palpitam.
Pássaros em pânico derrubam trombetas
recuam em silêncio as estátuas
para paisagens longínquas.
Os mortos que morreram sem perguntas
regressam devagar de olhos abertos
indagando por suas asas crucificadas.

Sobre a autora: Maria da Conceição Costa de Deus Lima, em 1961, nasceu em Santana, na ilha de São Tomé, onde fez os estudos primários e secundários. Estudou jornalismo em Portugal, Em São Tomé e Príncipe trabalhou e exerceu cargos de direção na rádio, televisão e na imprensa escrita, tendo fundado, em 1993, o já extinto semanário independente "O País Hoje".
Atualmente reside Londres, onde trabalha como jornalista e produtora dos serviços de Língua Portuguesa da BBC.

Referência: LIMA, Conceição. O útero da casa. Lisboa: Caminho, 2004.

quinta-feira, outubro 01, 2009

UM POETA E UM POEMA (3)

A poeta da vez é Christina Ramalho. Carioca, nascida em 1964, a Chris é mestre e doutora em Semiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Além de artista plástica (dona de belíssimas pinturas!), é também escritora de mão cheia: ensaísta, cronista, contista, poeta, crítica literária, tendo vários livros publicados.

Foi minha professora de Literatura no curso de Letras. É, para mim, um exemplo de profissional e, acima de tudo, de ser humano. (Imagem tirada daqui).

Sina
(Christina Ramalho)

Mundo, mundo, vasto mundo,
e eu que me chamo Raimunda,
feia de cara, boa de bunda,
terei uma solução?
Será que esta minha sina
de guardar a forma feminina
deixa mostrar em meu verso
quão vasto é o meu coração?

Na face trago as lágrimas
de cebolas e de paixões
e minhas pernas, fumês e amarelas,
passam no bonde das estações.
Amo inventando penas,
me ensinaram a amar assim...
Mundo, mundo, vasto mundo,
o que será que será de mim?

Peço a Deus que me conceda
nada pedir tudo ver.
Duro viver nesta terra estranha
onde ter entranhas faz padecer.
Vasto, vasto, mundo vasto,
te pergunto e me desgasto:
se o versejar é meu pasto,
terei eu o que comer?

Espero resposta deitada
de flanco sobre o lençol,
nos sonhos eu viro onda
e o sonho é meu farol.
E se disseres - levanta! -
levanto e vou para a faxina.
E se disseres - derrama! -
derramo em versos minha sina.

Mundo, mundo, amargo mundo...!
Mas doce é minha intenção
de velar tua amargura
com rimas de compreensão.
Mundo, mundo, amargo mundo,
não veja nisto submissão.
O que eu quero é uma voz
gritando suave como canção.


(In A Lírica Brasileira do Século XX, p. 136, de Anazildo Vasconcelos da Silva).

Saiba mais sobre a autora aqui e aqui