CRISTIANE SOBRAL nasceu no Rio de Janeiro, em 1974, e reside em Brasília desde 1990. Como escritora, possui poemas e contos publicados na Antologia Cadernos Negros, edições 23, 24, e 25. Graduada como atriz habilitada em Interpretação Teatral pela Universidade de Brasília, sendo a primeira negra a ganhar o título acadêmico.
Trabalha preferencialmente a poética do amor, da desrepressão e do acesso à consciência. Sua poesia inspira-se na experiência, na observação do comportamento, na mudança de atitude.
Fratricídio
(Cristiane Sobral)
Corrupção preta dói demais
Chibatada dentro da senzala fere infinitamente.
Até tu, Zumbi?
Espera aí, Feitor!
"Pouca tinta", eu?
Separe todos os matizes da negritude brasileira
Desintegre todas as identidades
Ficaremos com um nada aguado.
O mestiço não é nem o sim nem o não, é o talvez.
Mentira!
Pergunte ao porteiro da prédio
Interrogue o policial
Eles não terão dúvida em apontar a consistência da
minha melanina.
Sou negra
Meus dentes brancos trituram qualquer privilégio
retinto
Meu sangue negro corrói a hipocrisia parda
Mela o mito da democracia racial
Corre maratonas libertárias negrófilas
Rasga as entranhas e reluz.
Das cinzas à fênix.
No fundo do olho há uma verdade viva
Muito além da cor.
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Lente de Contato
Será que você pode olhar no fundo dos meus olhos?
Será que você pode acreditar na sua visão?
Esquece o que o seu pai disse,
Vê se muda essa situação.
Sou negra!
Estou aqui diante dos seus olhos,
Esperando você despir o seu preconceito,
Pra gente encontrar um jeito de ser feliz.
Ah, o meu cabelo natural, isento de culpa?
Vai bem, obrigada.
Que bom você ter sido espetado pela consciência,
Que bom você ter sido cutucado pela consistência.
Será que dá pra você tirar essa lente distorcida,
Que tanto atrapalha o nosso contato?
In: Cadernos Negros Volume 29: poemas afro-brasileiros. pp 51 e 52 / organizadores Esmeralda Ribeiro, Márcio Barbosa. São Paulo: Quilombhoje, 2006.
Foto e informações bibliográficas tiradas daqui e daqui.