sábado, agosto 08, 2009

UM POETA E UM POEMA

Inicio hoje uma série que chamarei "Um poeta e um poema".


Ana de Santana é a poeta de estreia com um belíssimo poema que denuncia um tempo obscuro de guerra e de violência do qual foi vítima. Apesar de tanto sofrimento, o último verso de "Ralhete" nos dá uma pista clara da sensibilidade e pureza de sentimentos que não se abalam.

Ralhete
(Ana de Santana)

Não me cobres
histórias de adormecer
quando o obus
rebenta no quintal
não me peças luz
se as janelas estão trancadas
não me lembres dos traumas
nem fales de fantasmas
quando eu sonho com
todos os companheiros
que sinto perder na batalha
a cada tempo
não me perguntes sobre o amor
que não tive
nem pelo coração, que esse,
faz tempo, jaz gelado
na granada do meu peito.
Porque procuras os meus olhos
se há muito foram perfurados
pelos estilhaços?
Como te atreves a querer
que te dê a mão se ainda agora
a ofereci em troca de pão?
E, sobretudo, não me perguntes
pelo que não disse
pois a minha boca
há muito se fechou à força
do fuzil do homem
que em mim te semeou.

Sobre a autora: Ana de Santana é consultora e vive actualmente entre Londres e Lisboa, publicou «Sabores Odores & Sonho», poesia, União dos Escritores Angolanos (UEA), 1985. Leia mais