Noémia deixou Maputo com destino a Lisboa em 1951, tendo dali emigrado para Paris em 1964. Regressou a Lisboa em 1975, onde residiu e trabalhou como jornalista e tradutora até o seu falecimento em dezembro de 2002.[1]
Seu poema Magaiça[2] aponta para o trabalhador moçambicano que emigrava para as minas do Rand ou compounds (áreas de exploração) da África do Sul. Sonhando com uma vida melhor, retorna à terra na condição em que partira, miserável como sempre.
Magaíça
engoliu o mamparra[3],
entontecido todo pela algazarra
incompreensível dos brancos da estação
e pelo resfolegar trepidante dos comboios,
tragou seus olhos redondos de pasmo,
seu coração apertado na angústia do desconhecido,
sua trouxa de farrapos
carregando a ânsia enorme, tecida
de sonhos insatisfeitos do mamparra.
E um dia,
o comboio voltou, arfando, arfando...
oh nhanisse[4], voltou!
E com ele, magaíça,
de sobretudo, cachecol e meia listrada
e um ser deslocado,
embrulhado em ridículo.
Às costas -- ah, onde te ficou a trouxa de sonhos, magaíça? --
trazes as malas cheias do falso brilho
dos restos da falsa civilização do compound[5] do Rand[6].
E na mão,
magaíça atordoado acendeu o candeeiro,
à cata das ilusões perdidas,
da mocidade e da saúde que ficaram soterradas
lá nas minas do Jone[7]...
A mocidade e a saúde,
as ilusões perdidas
que brilharão como astros no decote de qualquer lady
nas noites deslumbrantes de qualquer City.
[1] Informações biográficas retiradas de http://koluki.blogspot.com
[2] Magaíça - mineiro moçambicano regressado da África do Sul
[3] Mamparra - pessoa rústica
[4] Nhanisse - deveras, na verdade
[5] Componde - os acantonamentos ou «reservas» de trabalhadores na África do Sul (do inglês compound); barracão, camarata
[6] Rand - (top. sul-afr.) Unidade monetária principal da África do Sul e da Namíbia
[7] Jone - abreviatura de Joanesburgo = Djoni (= John, Johne) - minas do Rand.
2 comentários:
Oi, linda! Como me emociona sua paixão pela literatura africana. Sei, na pele, como essa literatura, em suas diferentes manifestações, é rica e linda. Adorei!!! Obrigada pela postagem no Madrid Mía!!! Beijo saudoso
Querida Chris! Há muita "influência" sua nessa minha paixão pela literatura africana. Talvez você nem lembre disto. Foi a partir de um trabalho que fiz para o nosso Mural de Letras, em homenagem ao Dia Nacional da Consciência Negra, em que "descobri" a poesia afro-brasileira e africana de LP, e você sugeriu esse tema para a minha monografia. Desde então, quanto mais pesquiso, mais me apaixono! Beijo grande
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