terça-feira, outubro 27, 2009

UM POETA E UM POEMA (4)

No poema "Os herois", Conceição Lima recorre às lembranças do passado para onde "recuam em silêncio as estátuas". A poeta convida o leitor a uma reflexão sobre a realidade de seu país no período pós-independência, uma vez que vinte e nove anos se passaram (o poema foi tirado do livro "O útero da casa", de 2004), mas alerta para o fato de que boa parcela dos "mortos que morreram sem perguntas", através de seus descendentes "regressam devagar de olhos abertos".

E, enquanto as estátuas silentes são reconhecidas pela "praça" por seus feitos valorosos, em "paisagens longínquas", os verdadeiros herois, os santomenses do dia-a-dia, clamam pelo resgate à dignidade "indagando por suas asas crucificadas". Onde está a tão sonhada, almejada, batalhada liberdade que a independência traz? Ou, pelo menos, deveria trazer...

Os Herois
Conceição Lima

Na raiz da praça
sob o mastro
ossos visíveis, severos, palpitam.
Pássaros em pânico derrubam trombetas
recuam em silêncio as estátuas
para paisagens longínquas.
Os mortos que morreram sem perguntas
regressam devagar de olhos abertos
indagando por suas asas crucificadas.

Sobre a autora: Maria da Conceição Costa de Deus Lima, em 1961, nasceu em Santana, na ilha de São Tomé, onde fez os estudos primários e secundários. Estudou jornalismo em Portugal, Em São Tomé e Príncipe trabalhou e exerceu cargos de direção na rádio, televisão e na imprensa escrita, tendo fundado, em 1993, o já extinto semanário independente "O País Hoje".
Atualmente reside Londres, onde trabalha como jornalista e produtora dos serviços de Língua Portuguesa da BBC.

Referência: LIMA, Conceição. O útero da casa. Lisboa: Caminho, 2004.

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