domingo, agosto 10, 2008

Em Nome do Pai ou Um Suspiro de Felicidade

Ela morava com seu avô e mais três irmãos. Sabia que tinha um pai. Sabia o seu nome, onde morava, como vivia. Fisicamente era magro, pele branca, estatura mediana, cabelos castanhos claro e olhos cor de mel. Podia-se dizer que era um homem até bonito, embora fosse alcóolatra. Fazia-se “presente” de vez em quando. Algumas das vezes, até sóbrio...

Comemorar o dia dos pais era particularmente difícil para aquela menina, principalmente quando na escola a professora pedia a bendita composição em homenagem aos pais. A professora, insensível à sua angústia, não atinava ao fato de que a menina não tinha uma família padrão para a época: seus pais eram, além de separados, ausentes. Como ela nunca tivera o pai dos seus sonhos – aquele dos passeios aos domingos; aquele que ela pudesse sentir que estaria sempre por perto nas situações de medo; ou, simplesmente, aquele que lhe dissesse “filha, eu sou seu pai, estou aqui, conte comigo” – sempre perguntava: “professora, posso fazer a composição para o vovô?" E, incrivelmente!!, a professora respondia: “não, tem que ser para o papai”.

A menina, então, ano após ano, fez suas composições em homenagem ao pai dos seus sonhos. Assim, satisfazia à professora - que sempre lhe dava grau máximo pelos seus textos, sem se importar se correspondia ou não à realidade – e também a ela própria: pois, ali, no papel, em suas estórias, podia “inventar” o pai que quisesse.

Mais alguns anos se passaram e, desta vez sem pressões, decidiu fazer uma verdadeira homenagem ao seu pai. Mas para qual dos dois seria? O imaginário ou o real? Isso já não era mais importante... Aquela menina crescera e escreveu uma composição que começava assim:

Era grande a alegria que eu sentia, todas as tardes, sempre às 17h, quando acompanhava papai até à padaria da esquina.

Esse momento era esperado com ansiedade durante todo o dia. Primeiro, porque papai era somente meu naquele itinerário: de casa para a padaria. Segundo, porque, perto das 17h, eu já sentia o cheiro do suspiro vindo daquela casa de pães... Nossa! uma verdadeira iguaria!

Esta era uma cena diária – pena que só acontecia de dezembro a março - nos três meses de férias que passávamos, meus irmãos e eu, com papai: eu sentava na calçada em frente à nossa casa, esperava papai chegar do trabalho, pontualmente às 16h30. Quando papai aparecia lá no início da rua, eu corria para encontrá-lo e, íamos, então, ao suspiro.

"Seu" Joaquim, o dono da padaria, fugia das características de um português autêntico: era magrinho, tinha bom humor e parecia que estava sempre feliz. Contava muitas histórias sobre papai, pois o conheceu ainda bem pequeno - papai mora, há 78 anos, na mesma casa em que nasceu!! Dizia que papai, assim como eu, gostava de comer suspiros todos os dias. Dizia, também, que o "amor" era o ingrediente principal da receita de suspiros de dona Margarida, sua esposa, já falecida, com quem aprendeu a prepará-los.

Na época não entendi muito bem, mas, hoje, tenho certeza de que as "boas energias" contidas naquele suspiro quentinho, saído do forno no exato momento em que papai chegava na esquina da padaria, é uma das minhas melhores lembranças...

A imagem da felicidade, para mim, era aquela rotina simples: papai e eu, e o suspiro quentinho da padaria da esquina.
Veronica Benesi
Belo Horizonte, 10 de agosto de 2008.

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